terça-feira, abril 03, 2007

Pensamento Sistémico

Neste texto tentarei dar a conhecer como se pode aplicar o pensamento sistémico ao desenvolvimento local. Existem várias e diferentes teorias de sistemas; Michael C. Jackson (1) identifica 10 no seu livro. Este texto baseia-se na teoria de dinâmica de sistemas desenvolvida dentro da teoria mais geral da V Discipline.

Para Senge (2) existem dois tipos de complexidade. O primeiro, bastante usado nos anos 70, é dado pelo grau de detalhe o sistema em estudo; utilizam um grande numero de variáveis relacionadas entre si por um numero também grande de relações lineares (3). O segundo foca-se na analise do comportamento do sistema ao longo do tempo; pelo que os circuitos de retro-alimentação (feedback) e demoras (delay) no sistema são os elementos chave a análise.

Para Senge, o tempo é um factor chave a estudar no sistema: "os problemas de hoje são as soluções de ontem" e muitos fracassos das análises de sistemas iniciais foram causados pela sua incapacidade de prever efeitos a longo prazo. Ao mesmo tempo, os elementos do sistema (variáveis e suas relações) mais pertinentes para explicar um sistema combinam-se de forma-se similar, razão pela qual Senge fala de padrões.

Este texto é baseado num dos mais famosos padrões conhecido por "passar o fardo" (4).

O primeiro elemento que caracteriza o padrão "passar o fardo" é a existência de uma solução pré-concebida para um determinado problema, que teima em não funcionar. Neste caso, o problema é o baixo resultado económico da maioria das explorações agrícolas. Para a maioria dos técnicos existe uma solução pré-concebida: a criação de cooperativas de agricultores. Então, estes técnicos promovem um grande número de jornadas de formação para agricultores na esperança de capacitá-los/mobiliza-los para criar cooperativas. De acordo com esta visão (representada na figura acima) a comercialização através de cooperativas permitiria aumentar o resultado económico dos agricultores. Podemos fechar o circulo, afirmando que o sucesso económico garantido pela adesão à cooperativa leva a outros agricultores a interessarem-se pelo cooperativismo e a aderir a ele.

Aqui temos o primeiro dos elementos dos sistemas: a retro-alimentação. Neste caso trata-se de uma retro-alimentação positiva pois a direcção das variáveis vai toda no mesmo sentido, o que permite ao sistema crescer ou decrescer infinitamente.

Obviamente, nenhum sistema cresce ou decresce infinitamente: isto deve-se aos circuitos de retro-alimentação balanceada ou negativa, onde o direcção das variáveis é distinta (5).

Pese à insistência dos técnicos, o cooperativismo parece não resultar. Apesar das muitas sessões de formação e esclarecimento os resultados são muito pequenos. Ao mesmo tempo, outras soluções não foram exploradas; ao invés, esta "ideologia" do cooperativismos duvida da capacidade dos agricultores terem sucesso comercial por si mesmos. Para tais técnicos não vale a pena que os agricultores saibam comercializar; a cooperativa fa-lo-á por eles. Pelo que basta tão só que os agricultores estejam dispostos a formar uma cooperativa.

Olhando o esquema acima, foram acrescentado dois circuitos ao sistema: na parte inferior do esquema está um circuito de retro-alimentação positiva representa a relação entre o empoderamento dos produtores e os resultados económicos. No caso hipotético que estamos a utilizar não existe uma grande preocupação com o empoderamento, pelo que este circuito inicialmente praticamente não funciona.

Este circuito, para além do mais, introduz o segundo elemento da teoria da dinâmica de sistemas: as demoras. Como se pode ver, a ligação entre o empoderamento e a adopção de estratégias comerciais está cortada: isto significa que existe um espaço de tempo entre as duas variáveis, hipoteticamente devido à necessidade de cada agricultor estruturar e testar varias estratégias alternativas de comercialização.

O segundo circuito agrega 7 variáveis do sistema para se fechar; no entanto, o elemento mais importante a retirar é que a aposta no cooperativismo cooperativismo forma um corpo especilizado de técnicos que duvida e bloqueia a existencia de outras soluções - parte superior direita da figura. Este efeito faz com que uma solução alternativa para o aumento do rendimento dos agricultores, o empoderamento, nunca seja testada. Ou seja, a solução pré-concebida impede a imergência de soluções alternativas - chamamos a isto efeito de deslizamento (6).

Conclusão:

O padrão "passar o fardo" chama a atenção para o facto de que soluções pré-concebidas impedem ou, pelo menos, dificultam o surgimento de novas soluções mais efectivas para velhos problemas. Neste caso, o sistema está a passar o fardo da comercialização, que tem os agricultores, para as cooperativas, sem explorar a capacidade destes para o resolver.

Frente a uma situação de "passar o fardo" é recomendável:

  • Mapear as soluções pré-concebidas e duvidar delas
  • Procurar possíveis soluções alternativas (etapa morosa e difícil)
  • Identificar e analisar possíveis efeitos de deslize.

Comentário final: este texto é um exemplo de uma aplicação da teoria de dinâmica de sistemas ao desenvolvimento local. Não era a ideia deste texto explorar o problema da comercialização do sector agrícola desde o ponto de vista da dita teoria. Isto significa que a proposta do empoderamento como forma de resolver o problema da comercialização não é mais do que uma hipótese teórica e é como tal que deve ser tomada.


Notas:

(1) Michel C. Jackson (2003). Systems thinking: creative holism for managers. Jonh Wiley & Sons, Ltd.

(2) Peter Senge (1994). The Fifht Discipline: art & practice of learning organizations. Doubleday

(3) Neste sentido, a teoria de sistemas opõe-se ao conhecimento cientifico tradicional cujas ciências se tendem a limitar à sua especialidade. Ou seja, a teoria de sistemas apareceu com uma tentativa de agregar a informação sectorial dos diversos campos científicos.

(4) Os padrões mais conhecidos e utilizados são 10 e podem sem consultados em William Braun (2002). The systems archetypes. www

(5) Exemplo de um sistema balanceado: Com o aumento do número de sócios, a gestão da cooperativa torna-se mais complexa e menos efectiva. As dificuldades da gestão vão reduzindo a taxa de adesão de sócios e, em alguns caso, pode mesmo obrigar a que alguns abandonem a cooperativa. A longo prazo, isto significa que o sistema tenderá a equilibrar o número de sócios com a capacidade de gestão.

(6) O "efeito de deslize" não é um elemento do sistema equivalente aos circuitos de retro-alimentação ou as demoras; estes últimos são os dois elementos básicos que compõem todos os sistemas. O efeito de deslize é, no entanto, um elemento característico e importante do padrão "passar o fardo".

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