quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Sim ou não ao desenvolvimento?

A importância da discussão sobre desenvolvimento é óbvia pela implicação que tem nas estratégias e nas opções de política de cada país e de todo o globo. Os debates em torno dessa questão ocorrem por todo o lado - meio político, universidades, comunicação social, etc. Governos e instituições internacionais, a par de uma sociedade civil cada vez mais interveniente, adoptam “novas” formulações para fazer face aos desafios e problemas económicos, sociais e ambientais do mundo contemporâneo. Quase me atrevo a afirmar que Desenvolvimento hoje é aquilo (ou daquilo) que quisermos que seja; ele é Económico, Humano, Rural, Local, Endógeno, Social, Cultural… de preferência Participativo, mas sempre Sustentável! Trata-se, sem dúvida, de um conceito em permanente construção, alvo de disputas e conflitos e diferentes apropriações. Independentemente de concordarmos, ou não, com os novos conceitos o que parece indiscutível é que a sociedade está a mudar intensa e profundamente, tornando as velhas concepções e organizações ultrapassadas e inadequadas às novas condições do mundo.
Desenvolvimento através de mais crescimento Apesar de remontar à economia política clássica a discussão de desenvolvimento ganha força no início da década de 1950, no contexto da devastação económica e social provocada pela II Guerra Mundial. O reconhecimento de que algumas regiões do mundo eram “atrasadas” clamava por opções e estratégias que revitalizassem a economia o que resultou na “receita” de crescimento económico com vista a acelerar o desenvolvimento e recuperar o atraso. Nessa altura, o modelo implícito da chamada “sociedade moderna” só poderia ser alcançado se os países [atrasados] seguissem certas estratégias de mudança social e económica, i.e., esperava-se que os países subdesenvolvidos seguissem os modelos dos países industrializados: “O progresso através da escala de desenvolvimento era medido, julgado e avaliado por uma nova casta de especialistas internacionais. Os países eram classificados de acordo com seu desempenho, como atletas numa pista, orientando a distribuição ou suspensão dos recursos das agências internacionais de financiamento e ajuda”. (Stavenhagen, 1985:12).
O aparecimento das críticas… As críticas a esse modelo de desenvolvimento começaram a surgir na década de 1970 incorporadas, sobretudo, por parte dos pós-modernistas, mas também pela onda de movimentos sociais emergentes como o feminista ou ambientalista. Porém, o teor das críticas chegou a tal ponto que hoje alguns autores propõem a “desconstrução” (desculpem, não aranjei termo melhor... mas é mesmo isso) completa do conceito de desenvolvimento. O francês Serge Latouche é um desses autores que tece ferozes críticas à ideia de desenvolvimento afirmando que se trata de um conceito “fetiche” por estar vazio de conteúdo. Este autor apela ao slogan do decrescimento[1], a fim de quebrar a rigidez economicista do conceito, procurando “[criar] uma proposta necessária para reabrir os espaços da criatividade bloqueados pelo totalitarismo economicista, desenvolvimentista e progressista”. (Latouche, 2004). A radicalidade das críticas e posições de Latouche levam-no a propor mesmo o a-crescimento para a sociedade no sentido de abandonar a vertente económica “enquanto fé e religião”. Não me parece que a posição extremada desse autor seja condizente com a organização do mundo em que vivemos, ignorando as relações que, bem ou mal, se estabelecem entre as várias esferas da sociedade. Compreender que o capitalismo supõe um crescimento económico infinito, que no mais das vezes leva a destruição de recursos naturais e concentração da riqueza na sociedade, não nos deve levar à ideia de abandono (ou descrédito) completo da concepção de desenvolvimento.
Mas afinal o que significa desenvolvimento? Há também quem defenda que o desenvolvimento em si mesmo carrega implicações de valor das mais intensas para o qual ainda ninguém encontrou uma substituição adequada o que o levam a colocar as seguintes interrogações: “Desenvolvimento significa mudança, evolução, crescimento, metamorfose. Mas devemos perguntar: desenvolvimento de onde para onde, e de quê para quê?; de pequeno a grande?; de atrasado a adiantado?; de simples a complexo?; de jovem a velho?; de estático a dinâmico?; de tradicional a moderno?; de pobre a rico?; de inferior a superior?;” (Stavenhagen, 1985:12). Na falta de argumentação mais convincente não é raro encontrar a receita do crescimento económico como panaceia para o desenvolvimento. Na verdade, a tendência para demonstrar com números os resultados do desenvolvimento é a norma no plano político facilmente se associando desenvolvimento com crescimento económico, argumentando-se que tal seria capaz de reduzir a pobreza e as desigualdades reforçando a coesão social. Ficam as interrogações… Referências LATOUCHE, S. O Sul e o ordinário etnocentrismo do desenvolvimento. Le Monde Diplomatique (Ed. Brasileira). Ano 5, n. 58, Nov., 2004. LATOUCHE, S. (2004a). Survivre au développement. De la décolonisation de l’imaginaire économique à la construction d’une société alternative. Paris: Mille et Une Nuits. STAVENHAGEN, R. (1985). Etnodesenvolvimento: uma dimensão ignorada no pensamento desenvolvimentista. Anuário Antropológico, Nº 84, p. 11-44.
[1] Para esse autor decrescimento não chega a ser considerado um conceito [no sentido tradicional do termo] pelo que não é caso considerar-se a existência de uma “teoria do decrescimento”. Segundo ele, decrescimento é simplesmente um slogan lançado por aqueles que procedem a uma crítica radical do desenvolvimento. Para um aprofundamento da questão ver Latouche (2004a).

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