terça-feira, abril 25, 2006

Afinal: quem são os actores?

Não podemos tomar a comunidade com um ser único ou um conjunto de indivíduos homogéneos com o mesmo tipo de necessidades e problemas; nem tomar a posição oposta extrema, isto é, cada indivíduo per si. É preciso reconhecer a estrutura social da comunidade: identificar as diferenças e classificar os indivíduos em tipos. Cada um dos tipos encontrados terá demandas próprias que tem de ser reconhecidas.

Cabe ao técnico desenhar um conjunto de respostas às necessidades da comunidade de que está ao serviço, para que esta se possa desenvolver. Numa situação ideal, cada indivíduo da comunidade faz o melhor que é possível com os recursos que tem, ao técnico apenas compete introduzir ou simplesmente reorganizar recursos para que o bem-estar aumente.

A divisão da comunidade em grupos sociais ou numa tipologia de actores é componente essencial de uma abordagem sistémica à realidade social. Esta abordagem deve ter como base dois princípios: (1) o presente foi produzido no passado, e por essa razão a história recente é a principal fonte de informação da realidade actual; (2) os sistemas (comunidade e/ou território) decompõem-se em subsistemas (tipos sociais e/ou zonas) que interagem entre si (re)produzindo os sistemas. Este segundo princípio coloca a necessidade de uma abordagem interactiva entre a divisão dos sistemas em subsistemas e a explicação das relações entre os subsistemas para compreensão da dinâmica do sistema que o compõe.

A epistemologia pós-moderna tem colocado a questão do conhecimento enquanto produto de uma relação entre o objecto, o investigador e a sociedade: o investigador representa o objecto, através de conceitos socialmente construídos, com um objectivo socialmente determinado. Isto quer dizer, que, dependendo do contexto social em que se insere, o investigador vai produzir um retracto do objecto diferente.

Mas, mais importante que isso é que o retracto do objecto que o investigador produz é também determinado objectivo social dessa investigação. Aqui, é necessário ainda ir mais longe no trabalho em planeamento social: o retracto que o investigador produz de uma comunidade, não é só naturalmente determinado pela utilização posterior dessa informação; o investigador deve assumir a responsabilidade de garantir a relação entre a investigação sobre comunidade e uma praxis posterior, sob pena de fazer um bom trabalho em vão[1].

Ou seja, a classificação dos subsistemas – como por exemplo a construção da tipologia de actores – é feita em função do tipo de fenómeno social que se pretende entender e o tipo de intervenção que se pretende, posteriormente, implementar.

Um pouco, ultrapassando a abordagem marxista, os tipos sociais ou classes estão para a investigação social como as funções matemáticas para a física: relacionam objectos concretos, mas não são objectos em si. A divisão de Marx da sociedade entre operários e capitalistas só tem sentido se virmos a sociedade capitalista como aquela que se funda na apropriação de das mais-valias do trabalho que quem não tem a propriedade do aparelho produtivos, por aqueles que a têm. Para estudar este fenómeno concreto é necessário classificar a sociedade capitalista e construir tipos ideais, no sentido werberiano, de operário e de capitalista.

Mas como fazer isto tudo num contexto concreto? Vamos retractar o caso de um diagnóstico sobre bairros sociais problemáticos.

Os bairros sociais problemáticos são geralmente construções recentes com 30 ou 50 anos. São construções recentes, quase sempre de origem camarária, para alojar os emigrantes das zonas rurais ou de países pobres que chegaram, durante principalmente a segunda metade do século XX às cidades portuguesas. Por esta razão, o levantamento da história é fácil de fazer a partir de informantes-chave e registos escritos.

O primeiro passo é conhecer como foi construído o bairro: a partir de documentos, entrevistas e fotografias aéreas fazer esboços da construção do bairro ao longo da história recente. Isto é: assinalar quais os prédios que foram construídos primeiros; e que formas o bairro foi tomando ao longo do tempo. Isto pode ser resumido num conjunto de esboços (desenhos) dos bairros, para várias datas diferentes. Em suma: o primeiro passo é responder à pergunta como evoluiu o bairro?

O segundo passo é perceber porque o bairro evoluiu assim. Isto é porque se construiu cada bloco do bairro? Isto implica a identificação dos empreendedores e das suas motivações. Estes empreendedores são os primeiros actores do bairro identificados nesta pesquisa; mas há que considerar-se que muitos destes actores – por exemplo, os construtores civis – podem já não se encontrar no bairro.

Paralelamente é necessário conhecer quem ocupou o bairro, isto é, os seus utilizadores. Nesta etapa faz-se a maior parte do trabalho de classificação de actores. Um prédio construído por um empreiteiro para venda e um prédio pela Câmara Municipal vão ser ocupados por tipos diferentes de pessoas. Além do mais, os critérios de distribuição dos fogos pela Câmara Municipal ou o preço de venda colocado pelo empreiteiro podem dar valiosas informações sobre os primeiros ocupantes do bairro.

O terceiro passo é entender como é que evoluiu o bairro. Ou seja, é fácil reconhecer que entre a génese, isto é, a ocupação de cada uma das zonas do bairro e o momento do estudo, podem ter existido alterações sociais no bairro. Ter como pano de fundo a génese do bairro, é fácil investigar sobre os processos de mudança e construir um retracto actualizado do bairro. Porteiros, administradores de condomínio e donos de lojas de bairro são excelentes informadores sobre estas mudanças.

O evolucionismo apresentado pela biologia fala de processo de divergência e convergência entre espécies. Esta linguagem é perfeitamente aplicável aos tipos sociais. Um exemplo hipotético: o acesso a um emprego fixo por uma minoria de emigrantes recém-chegados pode dar origem a um processo de convergência desta minoria com o grupo dos locais já instalados e a uma divergência do grupo de emigrantes maioritário com dificuldades de encontrar emprego.

Finalmente, e regressando a comentários feitos atrás, nesta análise houve um elemento omisso: a finalidade da intervenção que se pretende fazer com base no estudo realizado. Tomando em conta a génese, os processos de convergência e divergência dos grupos sociais, e a finalidade de uma intervenção social no bairro são os elementos para a construção e de fundamentação de uma tipologia de actores.

E cada um destes actores tem necessidades e demanda, dos facilitadores de desenvolvimento, serviços e produtos dos diferentes para a sua emancipação.

Um comentário final: os actores são uma realidade complexa que deve ser tratada de forma sistémica. Ou seja, os dois princípios da abordagem sistémica propostos acima devem sem utilizados para analisar cada um dos actores-tipo. A profundidade da análise a que o investigador deve chegar é condicionada pelas necessidades de informação para o desenho da intervenção social. Mas como fazê-lo, ao nível dos actores e nos seus sub-níveis, não cabe neste documento.

Notas

[1] Um facto incrível é que, apesar de ter sido por alguns investigadores ultrapassada a noção de que o conhecimento é objectivo – ele é, cada vez mais, reconhecido como inter­-subjectivo –, muitos destes continuam ainda a tentar separar-se do seu contexto para produzirem a sua investigação… como se anteriormente não tivessem argumentado que isso é impossível.

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