segunda-feira, janeiro 08, 2007

Um olhar sobre o Quadro Lógico

O quadro lógico é a ferramenta de planeamento mais usada no desenvolvimento social em todo mundo, e vem ganhando terreno em Portugal. A Comissão Europeia adoptou esta ferramenta de planeamento obrigatória em projectos de Cooperação para o Desenvolvimento e de Educação para o Desenvolvimento. Nos projectos locais financiados pelos Fundos Estruturais ela ainda não é usada, mas os conceitos de planeamento decorrem dela. Há que considerar também, os projectos financiados pela Segurança Social utilizam quase sempre formulários que se inspiram no quadro lógico; um bom exemplo disso é o Programa Escolhas.

O quadro lógico é uma ferramenta simples que define os limites do projecto e os seu objectivos. Ao apresentar os pontos chave do projecto, permite um compromisso entre o financiador e o executante do projecto que não retira ao último a capacidade de adaptação do projecto às condições de conjuntura que se apresentam em cada momento. O executante compromete-se com linhas estratégicas, actividades tipo e metas a atingir, o que parece suficiente para justificar a confiança do financiador.

Neste sentido, deve distinguir-se "quadro lógico" de "método de enquadramento lógico". O quadro lógico é uma matriz com quatro linhas e quatro colunas que descreve os pontos essenciais do projecto; e o método de enquadramento lógico corresponde a um processo de diagnóstico e desenho do projecto, e resulta da aplicação de uma sequência de ferramentas pré-definida que são a análise de actores, a árvore de problemas, a árvore de objectivos, o quadro lógico, o gráfico de Gantt e a folha de orçamento do projecto.

Um leitura informada dos manuais que versam acerca do método de enquadramento lógico permite perceber, que ao contrário do discurso, a ferramenta principal do método não é o quadro lógico (este constitui o seu principal produto), mas a árvore de problemas: a lógica de intervenção do projecto é produzida na árvore de problemas. Aqui reside a principal limitante e a principal qualidade do método. Se bem que a árvore do problemas presta-se bastante bem a utilização em workshops participativos, permitindo um planeamento participado; ao mesmo tempo baseia-se em relações lineares para explicar uma realidade complexa.

Em resultado disto, senti a necessidade de buscar uma forma de ultrapassara a metodologia de enquadramento lógico sem deixar de utilizar o quadro lógico. Se até agora o quadro lógico me foi apresentado intimamente ligado à árvore de problemas, foi-me possível conceber uma maneira de produzir o quadro lógico por si só.

É sobre a primeira coluna do quadro lógico que este texto se vai debruçar: é nesta primeira coluna que está descrita a lógica de intervenção do projecto que, como dissemos, é produzida recorrendo à árvore de problemas. Agora, uma vez que proponho que o diagnóstico seja feito com recurso a qualquer método, é necessário encontrar uma forma alternativo de redacção da lógica do projecto sem que esta exija uma mudança significativa nos conceitos que estruturam o quadro lógico.

Para esta explicação se vai usar como exemplo um projecto hipotético de combate ao desemprego.

Definir o objectivo geral

O objectivo geral situa o projecto no contexto em que se encontra. Um projecto não ocorre num contexto social isolado, ao seu lado existem outras ONGs, instituições do governo, empresas e outros actores tentando alterar a mesma realidade. O objectivo geral é um esforço colectivo no qual o projecto se enquadra. No exemplo hipotético que criei o objectivo geral é

Reduzir a taxa de desemprego no município de Penacova

Como se pode imaginar, existem vários actores a trabalhar para cumprir este objectivo. O Gabinete de Apoio ao Desenvolvimento Económico da Câmara Municipal, a Delegação Regional de Coimbra do IEFP e organizações privadas com fins sociais. Para além destes esforços a nível local existem outras intituições de nível nacional e comunitário empenhadas empenhadas neste esforço; daí a existência das Iniciativas Comunitária LEADER, do Fundo Social Europeu e do Programa Operacional de Emprego, Formação e Desenvolvimento Social. Ao definir o objectivo geral situa-se o projecto num esforço onde se encontra um conjunto de outros actores.

Os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio podem servir de orientação para definir os objectivos gerais de projectos de Cooperação para o Desenvolvimento. Assim, um projecto em Angola poderá definir como objectivo geral Erradicar a extrema pobreza e a fome da província do Lunda-Norte. Além do mais Objectivos de Desenvolvimento do Milénio possuem ainda metas definidas que ajudam construir a segunda coluna do quadro lógico. Por outro lado, o projecto coloca-se desta maneira num esforço reconhecido como importante pelo governos de todo mundo.

O único senão desta proposta é que os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio estão-se a transformar numa lista de boas intenções em que pouca gente acredita que algum dia virão a ser alcançadas.

Definir o objectivo específico

O objectivo específico é o compromisso do projecto. Jorge Coelho, director técnico da associação de desenvolvimento local, Aliende costuma dizer que o objectivo geral é aquele com o qual "não temos nada a ver com isso". Embora seja uma afirmação da qual discordo, ela sublinha a principal diferença entre o objectivo geral - para o qual o projecto apenas contribui - e o objectivo específico. O objectivo específico representa a mudança que o projecto quer produzir na realidade.

Para definir um bom objectivo - quer geral quer específico, mas a importância deste cuidado é mais importante no segundo - é ter em conta não o que o projecto faz mas o efeito que ele provoca na realidade. Assim, o objectivo não se focaliza na acção do projecto mas na acção dos beneficiários influenciados pelo projecto. Que reacção terão os beneficiários ao projecto?

Assim definimos como objectivo específico

Criar micro e pequenas no município de Penacova

Este objectivo específico implica a acção de empresários e a mobilização de recursos financeiros que o projecto pode até nem ter. Essas preocupações estarão reflectidas na quarta coluna do quadro lógico. No entanto, definir um objectivo específico como Capacitar a população de Penacova para criar empresas seria pouco ambicioso um projecto, uma vez que apenas se refere a actuação dos técnicos do projecto. Dever-se-á ir além disto, como se fosse um efeito dominó, imaginar qual é a peça que caí à frente do efeito do projecto. E nunca é demais referir: isto é impossível fazer-se sem um diagnóstico.

Definir os resultado

A definição dos resultados é a divisão dos projecto em componentes. Ou de outra maneira, os resultados são os sub-projectos que concorrem para alcançar o objectivo específico. Assim, as componentes do projecto, ou resultados, podem sem executados de forma autónoma.

Voltando ao exemplo hipotético que apresentei, o projecto tem 3 resultados

      1. Aumento da taxa de instalação de micro-empresas
      2. Reforço da competitividade das micro-empresas instaladas
      3. Intercâmbio de know-how entre empresários e a comunidade

As componentes estarão seguramente ligadas entre si; o esquema abaixo têm a relação que estabeleci: estes 3 resultados têm uma relação circular entre eles (o primeiro resultado reforça o segundo; o segundo resultado reforça o terceiro e o terceiro resultado reforça o primeiro). Mais do que circular esta relação é em espiral, permitindo assim aumentar o espírito empreendedor da comunidade. É por isso que o esquema ganha o título de Espiral do espírito empreendedor da comunidade.

A demonstração da interacção entre as componentes do projecto sugere, a quem lê o projecto, uma maior integração entre as suas componentes e assim uma maior qualidade. De todos os modos, ao encarar assim a definição dos resultados não estamos apenas a subdividir o objectivo específico em componentes, como também a pensar como é que essas componentes, nas suas relações de interdependência, vão alcançar o objectivo específico. Ou seja, estamos mesmo preocupados a melhorar da qualidade do projecto.

Definir as actividades

Os resultados permitem arrumar as actividades dentro do projecto. Agora, falta apenas fazer uma chuva de ideias sobre que fazer de concreto em casa uma das componentes do projecto. Pensando o projecto para 2 anos, as actividades pensadas são:

Para o resultado 1:
      Workshop de lançamento do projecto
      3 cursos de capacitação nas maiores freguesias

Para o resultado 2:
      Abertura de um gabinete de apoio ao empreendedor
      Criação de uma página web com ferrementas para empreendedores
      Realização de dois estudos de mercado
      6 workshops de formação complementar

Para o resultado 3:
      2 seminários sobre empreendedorismo
      Circulo de qualidade de micro-empresários

A difinição das actividades é um processo envolvido numa tensão: entre os recurso possiveis de angariar, os hábitos e as necessidade de continuidade dos promotores e os objectivos propostos e resultados a atingir. No entanto é necessário que as actividades propostas sejam suficientes para atingir cada um dos resultados propostos; e que, ao mesmo tempo, sejam corentes entre si para irem de encontro à interacção entre os resultados apresentada acima.

E finalmente, as actividades influenciam de sobremaneira a coluna das metas; mas esse tema não o vou tratar aqui.

Comentário final

Quando cheguei à Guatemala propus-me a elaborar um projecto para a ONG onde começava a trabalhar. O director deu-me todas a condições para avanças e mais um conselho:

        "
          1 só objectivo geral,
          1 só objectivo específico e
          entre 3 a 5 resultados...
                                                  "

2 comentários:

Unknown disse...

Muito obrigado pelo blog, na qualidade de assistente social estou a trabalhar num projecto de saúde e tive muita dificuldade sobre o quadro lógico e ajudou bastante a proceguir com o trabalho.

Uma pergunta, no caso de um projecto já existente e que queremos reabilitar uma parte, o projecto deve necessariamente considerar os mesmos objectivos gerais e específicos? Ajudem por favor. Asbih.angola@gmail.com

josferr disse...

Estimado

Este é um blog antigo. Fico feliz que tenha sido útil. Há alguns anos que não trabalho com isto.

Mas vejamos uma coisa. O quadro lógico é uma ferramenta de organizaçãoi de ideias e de comunicação. O objetivo é arrumar ideias. Mas também, mais das vezes, uma obrigação exigida pelo financiador.

Este texto, entretanto, expressa duas coisas. Primeiro, a distinção entre objetivo geral e específico. O primeiro serve para vincular o projeto como outros; o segundo para assumir um compromisso. O projeto contribui para o objetivo geral garantindo o objetivo específico. Isto não é novidade. A novidade foi dizer que deve existir uma interação entre resultados que garante o objetivo específico (ver a fig. 2).

Posto isto, respondo à sua pergunta. Eu não recomendava a copiar os objetivos de um projeto anterior na construção de um quadro lógico. Sobretudo porque o papel do QL é arrumar ideias. Não obstante, não podemos esquecer que o QL é também uma ferramenta de comunicação e que, portanto, copiar os objetivos de outro projeto pode ser uma forma de comunicar ao financiador que vamos seguir fazendo o mesmo. Enfim, não há regra; tem de haver bom-senso.

Abraço


P.S.: Leia também Gestão de parcerias com o quadro lógico.