terça-feira, maio 16, 2006

Teatro participativo

Introdução

O teatro participativo é uma ferramenta de desenvolvimento local que permite avaliar a relação entre os actores, desde o ponto de vista da comunidade. Dessa forma tem sido usado por diversas organizações de desenvolvimento local para entender as relações entre os técnicos e a comunidade, como forma de avaliar o trabalho que desempenha. O teatro participativo mais frequentemente usado por Ceiba, ong guatemalteca onde trabalho, visa analisar a relação entre os técnicos, os promotores [1] e a restante comunidade.

Para além do mais, esta técnica permite expor informações, ideias e percepções mais escondidas na comunidade. Por isso mesmo, o teatro é também uma forma de terapia da psicologia, embora, neste caso, estejamos a falar do mesmo mas em situações e com objectivos diferentes.

O teatro participativo é também uma forma de mobilização e empoderamento das pessoas. Numa peça de teatro os participantes podem analisar (representar) os problemas de diversas formas e podem testar (representando também) diversas soluções. E ainda permite aos participantes começarem a libertar-se do medo de se exporem nas disputas políticas, uma vez que são obrigados a expor-se na peça de teatro onde simulam situações e trabalham argumentos.

E finalmente, o teatro participativo é divertido. O teatro permite trabalhar assuntos sérios de forma relaxada.

O ponto negativo da utilização do teatro participativo é que participantes "envergonhados" limitam o potencial da técnica e os resultados produzidos ficam aquém do esperado. Porém, este entrave vai sendo minimizado à medida que os participantes se familiarizam com a técnica, ou seja, à medida que ela vai sendo usada com um mesmo grupo ou comunidade.

Concepção das ideias

A preparação do workshop implica, para além dos cuidados logísticos comuns a todos os workshop's, definir os temas a trabalhar através do teatro participativo. A lista de ideias que se apresentam baseiam-se em casos concretos que participei ou conheci. Longe de ser uma tipologia que pretende cobrir/classificar todas as situações possíveis, esta lista apenas enquadrar a preparação do teatro participativo. É por isso uma lista bastante incompleta de casos possíveis.

Situações recorrentes. Este é o caso que apresentamos atrás. Ceiba põe grupos comunitários a representar o trabalho do técnico e do promotor na comunidade. Esta técnica é utilizada para avaliar o trabalho da ONG, de uma forma participativa.

Negociações. Num workshop de mobilização contra as grandes concessões mineiras na Guatemala, uma técnica de Ceiba propôs o tema de uma reunião entre o Presidente da República, o Director do Banco Mundial e várias ONG's e líderes locais. Este tema permite conhecer as percepções dos participantes sobre os diferentes actores e avaliar argumentos, possíveis concessões e acordos.

Nas negociações os papéis podem ser atribuídos tendo em conta actores concretos como no caso acima apresentado, ou tendo em conta tipos de actores em geral: o ambientalista, o empresário, o político, etc.

Entrevistas. A ActionAid simulou uma entrevista ao FMI e ao governo da Africa do Sul num workshop sobre advocacy em orçamentos. Neste caso o teatro tenha sido usado como energizer [2] e nem todos os participantes no workshop foram envolvidos nele. Em casos mais gerais, são seleccionados os actores a representar, como nas negociações, e 2 ou 3 pessoas como jornalistas.

Comparando com as negociações, as entrevistas permitem aprofundar mais a visão que a comunidade tem dos diferentes actores. No entanto não trabalha tanto as possibilidades de negociação.

Situações especiais. No mesmo workshop levado a cabo por Ceiba, representou-se uma mobilização comunitária de protesto contra a actividade mineira que foi levada a cabo, com grande sucesso, no ano passado. As situações especiais põem em foco as causas e consequências de uma determinada acção, e levam, também, os participantes a identificar os principais actores envolvidos.

Simulações. A ActionAid usou simulações de teatro participativo no workshop sobre advocacy em orçamentos, para preparar os participantes para este trabalho de advocacy. As simulações têm uma dinâmica semelhante às negociações. No entanto, visam preparar os participantes para uma situação futura, enquanto as negociações visam analisar as relações entre os actores sociais.

Outra simulação foi usada num curso de técnicos para ONG's que participei em Coimbra. Parte dos formandos iriam colaborar com uma rede de ong's. No teatro participativo desempenharam os papéis das pessoas chave nessa rede para tomarem consciência dos problemas que enfrentam.

Elaborar o guião

A elaboração do guião é a primeira fase do teatro participativo durante o workshop. Os participantes são divididos em grupos e a cada grupo é atribuído um título/tema para a sua peça. Assim, é necessário que, durante a fase da preparação, já se tenha uma ideia aproximada do número de participantes, para de definirem temas em número necessário.

Cada grupo terá aproximadamente 10 participantes.

Nesta etapa o facilitador não tem muito controlo sobre o processo. Agora os participantes entram em acção. Não se pede aos participantes que escrevam um diálogo; a representação será sobretudo de improviso. Apenas se pede que definam a partida a estrutura da acção sobre a qual vão improvisar. Vão ter de definir e atribuir entre si os papeis a representar, definir o curso geral da acção, e alinhavar os argumentos de cada um dos actores.

As folhas de filp chart são os instrumentos mais generalizados em processos participativos. Podem ser usados para que os grupos tomem apontamentos sobre o que pretendem fazer.

De caso para caso, a estruturação prévia da peça pode ser maior ou menor. Em certos casos será preferível que os participantes não estruturem de todo os argumentos. Numa entrevista não será necessário definir o curso do acto, apenas os principais argumentos de cada um dos papéis; no caso da representação de uma situação especial o curso do acto tem um papel mais importante.

Uma alternativa é o facilitador distribuir uma curta descrição de cada um dos papéis representados. No curso de ONG's me que participei, nós desconhecíamos a realidade que estávamos a representar. Por isso, o formador distribuiu pequenos textos (2 parágrafos) descrevendo os papéis a representar. O objectivo dessa actividade foi preparar os participantes para uma realidade que enfrentaram alguns meses depois.

Em cena

Agora as coisas acontecem. Não há muito que teorizar sobre elas. O à vontade, a imaginação e a experiência dos participantes ditaram a qualidade e a utilidade dos resultados.

A capacidade imaginativa dos participantes surpreende muitas vezes os próprios facilitadores do workshop. A foto abaixo foi tirada durante uma sessão de teatro participativo realizado pela Ceiba. O objectivo era representar uma manifestação de uma comunidade guatemalteca contra a exploração mineira, realizada no verão de 2005. Para o camião que levava um cilindro para uma exploração mineira passar, teve de ser retirado a passadeira aérea para peões. Os manifestantes aproveitaram esse facto para bloquear a estrada.

Na foto, os participantes representaram a ponte aérea com um cabo de vassoura e o cilindro com um garrafão de água.

Analisando as peças representadas

O teatro participativo é um óptimo instrumento de levantamento de informação sobre as percepções da comunidade sobre as estratégias dos diversos actores. Nesse sentido, o teatro participativo deve ser seguido se uma sessão de reflexão sobre os temas em análise.

Esta análise posterior da peça é importante para que a informação levantada pelas peças de teatro seja sistematizada. Qualquer técnica participativa por ser utilizada para esse trabalho. Uma bastante simples e muito utilizada é afixar várias perguntas a que cada grupo tem de responder sobre uma folha de flip chart. As repostas são depois apresentadas ao plenário.

O teatro participativo é, pois, uma ferramenta importante na análise dos actores envolvidos no desenvolvimento comunitário. É também uma actividade relaxada e alegre. É, por isso mesmo, uma das ferramentas mais interessantes a usar em desenvolvimento local.


Notas

[1] Promotor é uma pessoa da comunidade seleccionada e treinada para difundir conhecimentos entre os seus vizinhos. São mediadores entre técnicos e a restante comunidade, para assim se ultrapassar as barreiras de comunicação que se resultam das diferenças de linguagem e sociais entre o técnico e a comunidade.

[2]Ice-breaks e energizers são actividades implementadas num workshop participativo com o objectivo de estimular a participação das pessoas presentes no workshop. Em particular, os energizers servem para quebrar o ritmo e estimular as pessoas nos momentos mais cansativos do workshop.

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