quinta-feira, maio 04, 2006

Usando tabelas para pensar

Porquê?

As tabelas são ferramentas cada vez mais utilizadas em gestão, aparecendo mesmo consultoras especializadas em elaborar tabelas para apoiar os gestores. Este é um pequeno texto escrito com base na minha experiência no uso de tabelas na gestão de projectos em desenvolvimento rural.

O uso de tabelas apresenta como principais vantagens:

  • Acelerar o raciocínio: propõe uma estrutura de organização da informação. Uma tabela bem elaborada tem uma sequência lógica de preenchimento que torna claro que informação colocar no documento.
  • Facilitar a leitura: substitui a linguagem complexa do texto por frases curtas. Isto exige que as frases sejam suficientemente claras e, ao mesmo tempo, a relação entre as frases, isto é, organização da tabela, seja suficientemente clara.
  • Identificar ausências de informação: ao contrário do texto, onde as ausências de informação se perdem no meio da gramática, a tabela tem um campo para cada dado necessário e a sua ausência de preenchimento de um campo é bem visível.

Quando?

O uso das tabelas é aconselhado quando vários casos (factos ou objectos) do mesmo tipo são analisados a partir de um conjunto de aspectos ou temas predefinidos. Exemplo: matriz de actores sociais [1] (Figura 1).

Os temas são apresentados nas colunas, isto é, no cabeçalho da tabela; e os casos são apresentados em linhas - identificados na primeira coluna da tabela e apreciados nas seguintes.

Ver fonte

Nesta tabela os casos em análise são os tipos actores sociais em torno de um determinado projecto ou problema e os temas a partir dos quais são analisados o poder, o interesse e o grau de conhecimento que se tem sobre eles (o conhecimento que se tem sobre eles é dado pelo grau de confiança com que se avalia os outros dois critérios).

Como?

Esta reflexão baseia-se numa experiência passada em Novembro de 2005. Procurou-se desenhar uma tabela que permitisse avaliar o impacte do trabalho desenvolvido pela equipa de advocacy da ONG Ceiba (Guatemala). Ao contrário dos projectos dos projectos de desenvolvimento das comunidades locais, os projectos de advocacy mostravam impactos pouco tangíveis e difíceis de avaliar.

Primeiro passo: identificar o tema da primeira coluna

A primeira coluna ou o primeiro tema é a "nome" dos casos. A maior parte das vezes está bem definido que factos ou objectos se pretendem estudar. É o caso dos actores sociais em torno de um projecto, antes de iniciar a sua implementação.

Mas nem sempre é assim:

Pretendia-se ver qual o impacte do trabalho feito por uma equipa de advocacy. A primeira tendência foi colocar as actividades como tema da primeira coluna e avaliar o seu impacte. Mas na discussão foi defendido que partir das actividades permitia pouca independência do trabalho realizado. Uma vez que se queria afastar do trabalho desenvolvido para se aproximar dos resultados obtidos, foi definido como tema da primeira coluna os alvos (pessoas ou instituições) do trabalho de advocacy.

A primeira coluna é a porta de entrada para a discussão; por essa razão tem de ser pertinente. O caso acabado de descrever mostra como a escolha do tema da primeira coluna condiciona o ponto de vista como uma determinada realidade vai ser analisada. Por outro lado, é necessário garantir que os casos inidentificáveis são perfeitamente distintos entre si.

Segundo passo: definir os restantes temas da matriz

Os restantes temas da matriz são os aspectos sobre os quais os objectos ou factos vão ser analisados. Os temas em análise vão depender do objecto pelo qual se faz a matriz, mas os cinco ajudantes podem apoiar a definição destes temas.

"6 ajudantes" é uma técnica usada tanto por cientistas sociais como gestores que encoraja a questionar abertamente um determinado problema. Os seis ajudantes são quem? o quê? onde? como? quando? e porquê?. Podem utilizar-se todos ou só alguns, repetindo ou não um ou outro "ajudante". A utilização dos "ajudantes" permite gerar perguntas mais complexas que ajudam a determinar os temas sobre os quais são analisados os objectos ou factos em estudo.

A matriz da Figura 2 é utilizada pela UNICEF para identificar parceiros para os seus projectos de análise de grupos sociais vulneráveis face a legislação.

Terceiro passo: garantir a sequência lógica dos temas

Um dos aspectos mais importantes do segundo passo é garantir a sequência lógica entre os temas apresentados no trabalho. A sequência lógica dos temas ajudar a acelerar a produção de dados durante o preencher a matriz; há pois que verificar como a equipa de trabalho está a pensar.

Um exemplo de que se está a dizer é uma discussão em torno de uma matriz de análise de problemas que foi apresentada durante um curso de formação. Os autores da matriz defendiam que nem todos os problemas podiam ser avaliados de forma quantitativa. Por isso propunham uma matriz com problema » indicador » questão, onde o problema era enunciado na primeira coluna e quantificado na segunda; caso fosse impossível a medição quantitativa, o problema era analisado qualitativamente na terceira coluna.

Durante o processo de discussão chegou-se à conclusão que um indicador é uma resposta quantificada a uma questão. Tendo em conta essa interpretação a matriz foi alterada para problema » questão » indicador ou resposta qualitativa.

Outro exemplo resulta da experiência de avaliação do trabalho de advocacy da ONG Ceiba já referido. Como foi dito, a proposta de primeiro tema foi os alvos de advocacy (quem?). A matriz proposta foi público-alvo » objectivo » situação em 2005 » situação em 2004. Do ponto de vista do preenchimento da matriz, a proposta tinha origem na estrutura de pensamento da equipa de advocacy ao fazer a avaliação. Por outro lado, a leitura da matriz ficava mais simples invertendo a ordem das duas últimas colunas, respeitando a ordem cronológica. O documento final elaborou-se com esta última opção.

Notas finais

A primeira recomendação ao uso de matrizes é que a equipa que as utiliza deve verificar que a matriz está a cumprir os seus objectivos.

Uma equipa pode desvalorizar a importância de uma ferramenta quando não é proposta por alguém com credibilidade reconhecida dentro dela. Muitas vezes, propor a substituição dos métodos de trabalho só servir para gerar ruído, pois a equipa não está disposta a mudar. Isto implica uma boa percepção das relações de poder dentro da equipa.

O motivo mais frequente para uma matriz não funcionar é uma má definição dos temas da matriz. No caso da matriz de avaliação da equipa de advocacy, a primeira versão era público-alvo » objectivo » impactes logrados. A última coluna permitia respostas confusas e subjectivas, que geraram muita discussão e permitiram pouco o avanço do trabalho.

A segunda recomendação, que deriva da experiência acima relatada, é de que a matriz é uma ferramenta que se vai moldando à experiência da equipa. Retomando a mesma experiência: devido ao ruído que a coluna de impactos logrados estava a gerar, foi proposta a sua substituição por evidências de realização. A necessidade de procurar factos concretos ocorridos em 2005 permitiu simplificar a discussão.

Não obstante, a coordenação do processo de avaliação não considerou suficiente para avaliar o trabalho realizado em 2005: havia que medir a diferença entre a situação de 2005 e a situação de 2004. Por essa razão a coluna evidências de realização foi substituída por situação em 2005 e foi agregada uma nova coluna: situação em 2004.


[1] Actor social (stakeholder): pessoa, grupo de pessoas, instituição com interesse ou influencia nalgum acontecimento social… normalmente o projecto para o qual a análise é feita.

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