quarta-feira, outubro 25, 2006

Diagnóstico de necessidades de formação

A formação é o instrumento mais utilizado para promover mudança; e é de mudanças planeadas que falamos quando falamos em desenvolvimento. Por isso é recorrente que o trabalho em desenvolvimento local implique a formação de pessoas: às vezes beneficiários, às vezes técnicos.

Em 2004 e 2005 elaborei dois estudos sobre necessidades de formação. Foram dois estudos distintos: o primeiro sobre as necessidades de formação das empresas do concelho de Arraiolos; o segundo sobre as necessidades de formação de técnicos numa rede de luta conta a fome, dinamizada pela ActionAid International. Assim, podemos dizer que o primeiro estudo teve carácter territorial e o segundo carácter organizacional.

Se bem que os trabalhos foram distintos, é possível identificar etapas similares do estudo para os dois tipos de trabalho. Assim encontramos 4 fases do trabalho. Primeiro identificar a mudança e o capital de conhecimento necessário para que ela ocorra. Segundo caracterizar os actores dessa mudança e o conhecimento que detêm e fundamentalmente, o que não detêm. Terceiro, priorizar as áreas de formação de acordo com os dois ponto anteriores. Quarto, avaliar a factibilidade de um projecto de formação.

(Estes quatro passos não correspondem à metodologia usada nos dois trabalhos. São, antes, as lições aprendidas em ambos)

Primeira fase

Como dissemos atrás, o primeiro passo é identificar a mudança e as necessidades de conhecimento para que ela ocorra. Uma reunião com a parte contratante deve identificar, pelo menos, a primeira parte da questão. Normalmente o contratante tem uma ideia muito clara da mudança que pretende, sobretudo quando se trata de um diagnóstico organizacional; as capacidades necessárias para a mudança implica o levantamento de mais informação.

Mesmo assim, sobretudo num diagnóstico territorial a questão pode ser mais complexa. O problema a responder pode ter múltiplas causas que têm de ser tomadas em conta. Na verdade, não são diferenças metodológicas ou conceptuais que implicam este esforço; o que motiva esta diferença é os limites menos definidos à partida da mudança requerida, do projecto de formação e do público-alvo. A primeira tarefa do investigador será ajudar a parte contratante a explicitar e limitar o projecto de formação.

O aprofundamento do diagnóstico da mudança requerida irá certamente levar-nos à identificação dos capitais necessários a que ela ocorra: financeiro, organizacional, físico e de conhecimento. É no capital conhecimento que o estudo se vai focalizar. Neste sentido, é preciso ter em atenção que os agentes de mudança são os beneficiários do projecto de formação e não o projecto em si. O projecto de formação é apenas um provedor de recursos.

No caso de um diagnóstico organizacional será fácil listar as tarefas atribuídas aos beneficiários do projecto de formação e associar estas com competências ou capital conhecimento necessário. O diagnóstico territorial é complexo e será necessário construir o perfil de competências do individuo que se quer formar.

As fontes de informação serão diversas e vão desde a bibliografia até entrevistas com informantes-chave, literatura estatística, etc. O número e a diversidade de fontes estão relacionadas com a complexidade do projecto. Num projecto simples, o recurso a entrevistas semi-estruturadas poderá ser suficiente.

A caracterização da mudança implica a consideração da variável tempo e o recurso a projecções ou cenários. Conhecer o período previsto de execução do projecto de formação para o qual se está a fazer o diagnóstico. Um diagnóstico de formação para um projecto formativo de 3 anos deve considerar as dinâmicas de empregos num futuro de 3 a 6 anos, ou seja, posterior ao terminos do projecto.

No final obtêm-se dois produtos: a delimitação da mudança planeada e a lista de competencias necessárias para que ela suceda.

Segunda fase e quarta fase

Evidentemente as primeiras 3 fases têm um caracter sequencial. A quarta fase é feita em paralelo. Uma vez que nas segunda e quarta fase se trata do mesmo, caracterizar os beneficiários, embora por perspectivas distintas, é aconselhável que se levem a cabo juntas.

Na segunda fase trata-se de caracterizar os beneficiários do ponto de vista das suas competências. Na verdade é perguntar, da lista de competências elaborado na primeira fase, quais os beneficiários já detêm e quais não.

Num estudo mais complexo é necessário perguntar também quais as competências que vão adquirir, tomando em conta o mesmo espaço de tempo da primeira fase, sem a necessidade de uma intervenção. Isto é particularmente importante nos diagnósticos de necessidades de formação do tipo territorial, onde diversos agentes formativos concorrem para a formação dos beneficiários.

A quarta fase deve identificar a capacidade de acesso à formação por parte dos beneficiários. A capacidade de acesso deve ser vista em termos de custo monetário, tempo, recursos disponíveis, etc. No estudo que desenvolvi para a ActionAid propunha-se que a formação fosse administrada na modalidade de e-learning; foi, por isso, necessário analisar se os beneficiários tinham acesso a computador com ligação a Internet e se o sabiam utilizar.

O método mais recomendado para estas fases será o questionário fechado aplicado aos beneficiários. Contudo, em diagnostico mais amplos como diagnósticos territoriais, é aconselhável começar por outro tipo de fontes: estatísticas disponíveis e outras fontes secundárias. Nestes casos, a população e o numero de variáveis são tão grandes e grande parte da informação está disponíveis nas estatísticas oficiais, que o melhor é evitar a precipitação para a saída fácil de elaborar um inquérito.

Terceira fase

Uma vez possuindo os dados das primeira e segunda fases, o objectivo é ordenar por prioridades a lista de competencias elaborado no final da primeira fase. Os critérios serão diversos: o caracter estratégico de uma determinada área de conhecimentos; o deficit apresentado pelos beneficiários; a valoração pelos beneficiários ou mesmo a valoração pelo contratante.

A terceira fase é uma espécie de conclusão das duas fases anteriores e, por isso, as duas fazes anteriores devem ser encaminhadas ao objectivo da terceira fase. Existem varias matrizes que poderão ser utilizadas para a elaboração da ordem de prioridade (matriz de analise multicritério; matriz de ordenação de pares, etc.). Será benéfico que esta fase se faça em colaboração com a entidade contratante.

Uma alternativa simples é prever a ordenação dos áreas de competência, de acordo com o grau de importância, no inquérito aplicado na segunda fase (ver próximo ponto).

Uma alternativa simples

Em 2004, eu próprio fui alvo de um diagnóstico de necessidades de formação. Na prática chegou-me às mãos um inquérito para responder. O inquérito era composto por duas partes: uma caracterização dos respondente (quarta fase e um pouco da segunda) e uma grelha de cursos para priorizar. Vamos ver como esta grelha está associada à primeira, à segunda e à terceira fase.

A grelha não é mais que uma lista de áreas de competências, produto da primeira fase. Ao pedir para ordenar os cursos por ordem de importância, o investigador passa a segunda fase para o raciocínio do respondente; o respondente deve pensar "quais é que me serão mais úteis?". Finalmente, do tratamento dos inquéritos obtém-se directamente a lista de competências obtida na primeira fase priorizada directamente pelos beneficiários.

Esta abordagem tem no entanto duas limitantes. As necessidades imediatas sobrepõem-se a necessidades mais estáveis, ou seja, o respondente vai priorizar os temas de acordo com o momento em que responde e possivelmente algumas delas vão deixar de ser importantes no mês seguinte.

Segundo, existe um risco elevado dos temas novos não serem valorizados. Simplesmente pelo facto de o respondente desconhecer o tema não reconhece a importância dele para o seu trabalho e por essa razão atribui-lhe uma prioridade baixa, quando, afinal, o tema poderia requerer uma prioridade alta. Da mesma maneira, os temas muito politizados tendem a ter prioridade alta, mesmo quando os beneficiários os conhecem bem, somente porque é o tema do momento.

1 comentário:

Lana disse...

MUITO MUITO INTERESSANTE. PARABÉNS. CONTINUE.
LANA